A força invisível: por que tanta gente fala nessa energia?
Prana, qi, mana, orgones, conatus, são muitos os nomes que filósofos e cientistas definem desde nossos primórdios, mas afinal que força é essa e como ela se apresenta em nossas vidas?
Desde os primórdios das civilizações, distintas culturas procuraram conceber e explicar a força primordial que permeia a vida.
Nas tradições orientais, por exemplo, encontramos o prana na Índia, conceituado como o sopro vital que anima o corpo e fundamenta práticas como ioga e ayurveda, enquanto na China vigora a ideia de qi, energia essencial para a medicina tradicional chinesa e para disciplinas como o tai chi chuan.
Em algumas sociedades do Pacífico, notadamente as polinésias, floresceu a concepção de mana, um poder sagrado que habita pessoas, lugares e objetos, influenciando diretamente o equilíbrio social e a vitalidade comunitária.
A partir do século XVII, a reflexão filosófica na Europa contribuiu para dar roupagem conceitual a essas ideias. Baruch de Spinoza, em sua filosofia monista, formulou o conatus, o esforço de cada ser em perseverar na existência, abrindo caminho para uma compreensão de que a vida é movida por impulsos internos irrestritos.
Nos séculos XVIII e XIX, surge o chamado vitalismo clássico, exemplificado por pensadores como Xavier Bichat, que acreditavam em um “princípio vital” não redutível aos processos físico-químicos.
Pouco depois, Arthur Schopenhauer trouxera a noção de vontade de viver, uma força cega que impulsiona a natureza e se manifesta em todos os seres, embora envolta em um viés pessimista.
O final do século XIX presenciou o antropólogo Edward Tylor discutindo o animismo, segundo o qual há “almas” ou energias vitais em todos os fenômenos do mundo natural.
Nessa mesma época, Sigmund Freud, ao criar a psicanálise, descreveu a libido como a energia essencial que move os impulsos sexuais e que, quando reprimida, gera conflitos internos.
Logo em seguida, o filósofo Henri Bergson apresentou seu influente élan vital, uma espécie de impulso criador que explicaria a evolução orgânica de modo aberto e não mecanicista.
Por sua vez, o biólogo Hans Driesch falava em entelequia, defendendo que nos organismos vivos haveria algo irrestrito às leis comuns da matéria.
Já no século XX, essas ideias ganharam contornos ainda mais amplos. Carl Gustav Jung, a partir das bases freudianas, passou a entender a libido como uma energia psíquica mais geral, expressão do inconsciente coletivo e de símbolos arquetípicos.
Wilhelm Reich, num percurso igualmente derivado de Freud, deu um passo decisivo ao trabalhar a sexualidade sob o viés do corpo, propondo o conceito de orgone, uma energia vital que, se reprimida por bloqueios sociais e emocionais, ocasiona neuroses e distúrbios corporais.
Em outro extremo da psicologia, Viktor Frankl sublinhou a vontade de sentido, realçando que a busca de significado seria a grande força motriz da vida humana, enquanto Gilles Deleuze e Félix Guattari beberam do pensamento de Nietzsche e Spinoza para falar em fluxos e intensidades, valorizando a potência criadora que atravessa o universo.
No âmbito da ciência, Humberto Maturana e Francisco Varela trouxeram o conceito de autopoiese, sugerindo que os sistemas vivos se autoproduzem e são indissociáveis de suas redes de interações.
Ainda que se possa dizer que o vitalismo clássico tenha sofrido reveses com o avanço da química e da biologia molecular, o debate sobre um impulso de vida ou dinâmica auto-organizadora jamais se extinguiu.
É nesse cenário que irrompe o trabalho de Roberto Freire (1927–2008), que, influenciado por Reich, Nietzsche e pelo anarquismo, criou a SOMA: uma terapia corporal anarquista que alia práticas de libertação psicoemocional, uso da capoeira angola como exercício lúdico-político e uma crítica radical às estruturas autoritárias.
Sob a ótica de Freire, o corpo guarda tensões e couraças decorrentes das repressões sociais, políticas e familiares; libertá-lo significa recuperar a energia vital, aproximando-se do cerne da existência.
Na SOMA, desbloquear essa força é mais do que um ato terapêutico: é um movimento eminentemente político, que transforma relações interpessoais e modos de vida.
Assim, ao unir a força vital estudada por tantos filósofos, psicólogos e antropólogos a uma proposta de emancipação social, Roberto Freire coroa uma longa trajetória de pensadores e culturas que, cada qual a seu modo, buscou compreender e ativar o impulso essencial que nos faz viver e criar.